Nos últimos tempos, vídeos que mostram bebês reborn nas mais diferentes situações ganharam as telas de celular de qualquer pessoa minimamente conectada. A moda das bonecas hiper-realistas lançou polêmicas internet afora e ganhou até reportagem no Fantástico. Para influenciadores e empreendedores, a onda trouxe engajamento e promessa de crescimento nos negócios.
Roberto Kanter, professor de MBAs da FGV e especialista em varejo, afirma que o nicho cresce na esteira da viralização e dos debates que a acompanham. “Isso significa que, mais do que um brinquedo, o produto carrega narrativas potentes. E é aí que reside o verdadeiro valor para marcas que desejam ir além”, afirma.
O termo “bebê reborn” ou “bebê renascido”, na tradução literal, surgiu na década de 1990 nos Estados Unidos. Na época, artistas começaram a transformar bonecas comuns em versões realistas de recém-nascidos — um processo que passou a ser chamado de “reborning” ou “renascer”.
Cerca de três décadas depois, Kanter avalia que o segmento já tem demanda estável entre colecionadores, terapeutas e famílias. “O assunto apenas expandiu a vitrine”.
No Brasil, os reborn são considerados brinquedos e entram no grupo bonecas e bonecos da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Em 2024, a categoria faturou R$ 1,12 bilhão, respondendo por 11% do mercado.
Com a viralização de vídeos que mostram o cotidiano das mães reborn e atividades como o parto dos bonecos, a busca pelo brinquedo aumentou. As estatísticas do Google mostram que, nos últimos cinco anos, o grande pico de pesquisas aconteceu em 2020, com altas consideráveis no fim de dezembro de 2023 e 2024. Atualmente, as dúvidas dos internautas vão desde o conceito do produto e preço de itens — com uma curiosidade especial relacionada às práticas obstétricas dos reborn.
A repercussão do tema foi tanta que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou um projeto de lei que estabelece o Dia da Cegonha Reborn, em 4 de setembro. A proposta aguarda sanção da prefeitura.
Para João Finamor, professor de marketing digital e mídias sociais da ESPM, o nicho deve seguir em alta mesmo após o fim do “hype”. “Na Ásia, por exemplo, o mercado é forte há um tempo”, diz. “Obviamente, pode perder sua força, e aí as marcas precisam ter um olhar diferenciando. É um acessório novo? Roupas diferentes? Vale pensar como explorar”, acrescenta.
Kanter destaca que o empreendedor precisa ter cuidado para não virar “refém” de modas assim, perdendo sua identidade e não aproveitando o momento para expandir seus valores e modelos de negócios. “Quando um negócio segue somente modismos, ele se torna descartável assim que a próxima tendência surge. Se sua marca trabalha com afeto, memória ou inclusão, o reborn pode ser uma extensão coerente. Mas se a tendência exige que você mude completamente quem é, vale repensar”, afirma Kanter.
De acordo com o professor, negócios que nascem de tendências precisam ter uma estrutura ágil para aproveitar o momento e uma identidade sólida para permanecer em evidência.
Já na produção de conteúdo, é preciso avaliar se o assunto conversa com o nicho ou se existe sinergia. “Será que vou perder os clientes conquistados? Será que vai afetar a minha construção de marca? Esses pontos precisam ser avaliados antes de investir em algo que está surgindo”, diz o especialista.
Para quem já está inserido no tema, é hora de aproveitar o boom.
De olho nisso, a influenciadora de bebês reborn Mariana Nunes, 23 anos, decidiu dobrar sua produção de vídeos no TikTok. Ela passou de três para cinco postagens por dia, mostrando sua rotina de cuidados com os bonecos. Só no último mês, a criadora de conteúdo ganhou 30 mil seguidores e viu o engajamento crescer 32,5%. Ela fatura cerca de R$ 4 mil por mês com monetização e parcerias e espera crescer 30% com a nova onda.
A paixão da jovem natural de Volta Redonda (RJ) pelo reborn começou na infância, mas foi em 2017, com o primeiro estágio, que conseguiu comprar um bebê. Hoje, sua coleção conta com 21 peças — a mais cara, feita de silicone sólido, custou R$ 8,5 mil. Pela mais barata, um macaquinho filhote (versão “pet” dos bebês), pagou R$ 650.
A influencer mostra diariamente sua rotina de cuidados com seus bebês reborn — Foto: Divulgação
A influencer mostra diariamente sua rotina de cuidados com seus bebês reborn — Foto: Divulgação
A loja Minha Infância também vem intensificando a produção de conteúdo em plataformas digitais. Fundada por Karen Falcão, 30 anos, e Cleide Martins, 53 anos, a marca ganhou 20 mil seguidores no TikTok e viu seu engajamento aumentar em 40% no último mês.
“Eu praticamente dobrei o número de publicações e passei a mostrar mais detalhes dos bebês e nossa rotina. Com isso, acredito que vou aumentar em 30% meu faturamento no ano”, diz Falcão que agora está investindo mais em tráfego pago.
A marca foi crescendo aos poucos. Cleide Martins tinha um “hospital” e consertava brinquedos ali. Mas, há 15 anos, depois de assistir a uma reportagem sobre o mercado reborn, mãe e filha decidiram investir no setor.
No começo, dividiam o tempo entre os consertos e os reborns, em 2013 resolveram se dedicar exclusivamente à produção de bebês hiper-realistas.
“Hoje a indústria acaba fazendo bonecas descartáveis, já antigamente elas eram feitas para durar. Percebemos que deveríamos focar no reborn para crescermos no mercado. Todo dinheiro que entrava investíamos nos materiais”, explica Falcão.
Atualmente, elas faturam cerca R$ 35 mil por mês e tem mais de 80 bebês prontos no estoque com uma variedade de modelos, tamanhos e materiais, podendo ser vinil, silicone e silicone sólido. A maioria das bonecas são vendidas à pronta entrega, com valores que variam de R$ 499 a R$ 4,5 mil, mas a Minha Infância também oferece a opção de personalização.
Mãe e filha comandam uma loja focada em bebês reborn — Foto: Karen Falcão
Mãe e filha comandam uma loja focada em bebês reborn — Foto: Karen Falcão
A produção é feita pela família, com a ajuda de alguns profissionais terceirizados. No total, eles fazem cerca de 40 bebês por mês que levam entre uma semana e dois meses para serem finalizados. Quanto mais detalhes tiver o boneco, mais caro e mais tempo de produção.
O público-alvo não são mães reborn, mas crianças. Os clientes levam para casa bebês que já vão com um kit completo com fraldas, chupeta, mamadeira e até documentos como CPF, cartão de vacina e teste do pezinho.
De acordo com Falcão, a loja física oferece uma experiência única para os clientes. Lá é possível encontrar as bonecas em berços e ver de perto cada detalhe. A Minha Infância também vende online, com entregas para todo o Brasil e até para outros países como Portugal, Angola, Estados Unidos e Alemanha. 35% da receita vem do e-commerce.
A empreendedora Sandra Medeiros, 70 anos, não costuma produzir conteúdo. Mas, com a onda atual, a fundadora da Solcats, marca que confecciona roupas sob medida para bonecas reborn mojoritariamente para lojas especializadas, já está se movimentando para produzir e investindo em designs exclusivos e uma linha para festa junina. “Quanto mais meus clientes vendem, mais encomendam, e isso é ótimo para a marca”, diz.
A Solcats nasceu com o objetivo de ajudar a empreendedora a financiar seu projeto social de castração de animais. Em 2018, ela decidiu se aventurar no mundo reborn e passou um ano estudando modelagem. “Quando você põe roupa de neném em um bebê reborn não fica bom. Como tem um corpo de tecido que é encaixado, o ombro é diferente, por exemplo. E acaba ficando sobrando nas mangas e na perna e isso me incomodava”, diz Medeiros.
Hoje, a empreendedora produz roupas de todos os tamanhos para bebês reborn, desde os pequenininhos que cabem na palma da mão até os de dois anos. Medeiros trabalha 14 horas por dia em seu ateliê, em São Paulo, produzindo peças que custam entre R$ 110 e R$ 180. Ela atende todo o Brasil e envia para Portugal também.
A empreendedora tem um ateliê em São Paulo — Foto: Divulgação
A empreendedora tem um ateliê em São Paulo — Foto: Divulgação
Com o negócio, a empreendedora fatura cerca de R$ 80 mil no ano, mas seu lucro vai exclusivamente para a causa animal.
Como aproveitar tendências?
Kanter destaca que assuntos em alta podem ser vantajosos para empreendedores que souberem aproveitar o momento. Para isso, ele indica que a empresa:
Tenha cautela;
Crie diferenciais desde o início (serviços, experiências ou nichos);
Construa uma marca com autenticidade e não só com estética;
Planeje “depois” da tendência.
“Marcas que quiserem permanecer relevantes devem sair do rótulo de ‘marca de modinha’ e entrar no campo da autoridade criativa”, diz.
O especialista também recomenda que o empreendedor:
Faça personalização sob demanda;
Inclua reborns com síndromes, características étnicas diversas ou particularidades corporais;
Crie narrativas de adoção simbólica, kits de cuidados e experiências afetivas;
Tenha presença institucional em áreas como saúde, bem-estar ou educação;
Diversifique seu mix de produtos.
“O reborn pode ser uma moda, sim — mas, para alguns, será também uma chance real de construir algo duradouro”, afirma.
Fonte: RevistaPegn.globo
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